sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Carta de amor, vírgula!

Naquela época eu devia ter a idade que minha filha tem hoje... lembro-me que a escrita para mim era um mistério que eu andava louca por desvendar. Foi por isso que achei que aquele conselho, vindo de uma tia que eu achava tão bacana, e que parecia mesmo saber das coisas, era um conselho para ser guardado pela vida inteira.
Afastando um pouco o pó da memória, vem-me a imagem clara da tia Maria Helena com uma carta na mão, retirando um papel todo escrito - frente e verso, de dentro de um envelope. Ela ainda era solteiríssima e namoradeira o bastante para escrever cartas de amor aos seus muitos namorados. Aquelas palavras todas desfilavam diante da minha imaginação e eu pensava entrementes: um dia ainda hei de escrever cartas de amor! Muitas. Cheias de vírgulas.
Acompanhava a sua maneira cuidadosa de colar o selo no envelope ainda aberto, quando a tia me deu o papel escrito e disse:
_ Toma, Rejane. Distribui aí algumas vírgulas.
_ ... eu ainda não sei escrever, tia Mareléna.
_ Não precisa... põe aí em qualquer lugar.
_ Pra que?
_ Pros moços ficarem pensando que a gente é inteligente! Depois que a gente escreve tudo o que quer, a gente deve sempre distribuir umas vírgulas na carta, que é para eles verem que a gente sabe escrever bem. A pessoa que sabe escrever bem usa muitas vírgulas nas cartas.
_ Ah. Tá bom...
E assim o fiz, pondo uns daqueles risquinhos que ela me ensinara e pensando como é que alguém poderia dar atenção a uns negocinhos tão insignificantes, daquele tamaninho... Achei aquela revelação tão importante que me concentrei no fato de que nunca deveria esquecê-la dali por diante.
Agora, avaliando melhor, verifico que o truque não deve ter surtido muito efeito. Afinal, a tia não se casou com aquele namorado. Na foto abaixo, ela aparece mais tarde, no dia de seu casamento com o único ser capaz de entender as suas regras de pontuação. Pela minha cara, no canto direito da foto, vocês podem imaginar a desconfiança com que eu assistia àquilo tudo:
No entanto, volta e meia, todo 1º de Janeiro, o antigo conselho me volta à lembrança, porque é o dia do aniversário da tia Maria Helena.
E se eu pudesse hoje fazer alguma recomendação importante a algum sobrinho meu, eu certamente diria:
NUNCA CONFIE, NUM,, ANIMAL QUE SANGRA, POR, QUATRO DIAS INTEIROS,, SEGUIDOS, E NÃO, MORRE! eh eh eh eh
Valeu pelos conselhos, tia Mareléna! Feliz Aniversário!

Nenhum comentário: